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Nossa construção íntima dentro do Axé

Nossa construção íntima dentro do Axé

Sou de um tempo em que as relações eram priorizadas e construídas dentro de uma Casa de Axé.

Éramos uma folha em branco. Nos esvaziávamos do ego primeiro. Entrávamos para aprender sobre respeito, ancestralidade, energias, transformação moral e espiritual, humildade e serviço como forma de ressignificar a vida.

O amor era construído no dia a dia de trabalhos, assim como a empatia, a observância das diferenças para gerar possibilidade de outros olhares para o outro.

“Bater Cabeça” era uma honra! Um gesto que enobrecia, acalentava e nos colocava como seres prontos a viver humildemente a nossa transformação diante dos Orixás, do nosso zelador e daqueles que cuidavam de nós. Jamais um sentimento de opressão ou diferença.

“Tomar bença” era uma troca de amor, carinho e respeito aos irmãos que compartilham da mesma escolha, do mesmo caminho e isso estreitava as relações, jamais nos separava,   e assim beijávamos as mãos uns dos outros como que disséssemos: eu quero receber também a força do seu Orixá! Que nossas energias se fortaleçam juntas!

“Saudar o chão” era uma ato de amor e gratidão à Casa que nos oportunizava a maior experiência que uma Alma pode ter: a busca da Luz para sua correção.

“Encontrar Jesus” sempre me foi ensinado pela Umbanda, porque os negros afro descendentes reconheceram de pronto a importância deste grande Mestre, colocando sempre sua referência e seus exemplos como o norte a ser seguido, inclusive, destinou o lugar mais alto do “gongá” para colocar sua representação, sua imagem, chamado carinhosamente por Oxalá.

Quando meu zelador falava, todos nos abaixávamos como sinal de respeito a àquele que escolhemos para nossa orientação e criação espiritual. Queríamos estar sempre perto, juntinho para beber das suas sábias palavras e aprendermos sempre mais um pouco.

A “educação no roncó” era rígida. Era o lugar de silêncio. Das rezas, das reverências e da fala bem baixinha para mostrar nosso respeito às Forças Sagradas que saem das mãos de Olorum e que são geradoras de vida, nossos Orixás.

Ah, as rezas, os ingorossis, as aduras, os orikis…! Que momento santo! Um coro lindo respondia sempre com todo amor e carinho as palavras em uma linguagem ancestral que mesmo que nossas mentes não compreendesse, nossas Almas se embebiam de energia e Axé! Era renovador!

Hoje me pergunto: o que está acontecendo com as pessoas? Será que perderam o olhar para o Sagrado ou se perderam de si mesmas?

Vejo poucos buscando se construir e se perpetuar num Axé! Está tudo bem quando tudo está conforme se deseja. No primeiro desafio, jogam fora tudo que viveram e aprenderam ao longo dos tempos.

Tempo? Também hoje não tem mais tanta importância para se viver tudo isso! As prioridades são outras. Só vou à minha Casa quando este me sobra.

Quanta saudade me bateu hoje! Mas uma saudade boa, de memórias felizes que me construíram como pessoa e que quero levar para sempre na minha vida, aliás, o meu Sagrado é um dos “para sempre” que desejo viver.

Ah queridos! Se eu pudesse falar alguma coisa boa para cada um, eu diria que vale a pena toda dedicação, pois uma vida sem propósito se esvazia por ela mesma.

A cultura do “descartável” chegou aos Terreiros, onde jamais deveria ter chegado! Sabe aquele Axé que abriu as portas para você? Pois é… vai para a lixeira da sua vida e com ele as relações construídas. Será que era amor ou interesse? Será que era a busca de uma “poção mágica”? Ou será que não teve o amor como base da construção?

Se eu aprendi uma coisa é que só transborda quem ama. Quem não ama seca, vira deserto. E quem transborda, irriga a vida de outros e se perpetua no seu Sagrado “para sempre”.

 

Obaraiyê.