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LENDA DA PEMBA

Em um dos muitos lugares das Áfricas, há muito tempo, existiam vários montes formados de um pó branco. Esses montes ficaram conhecidos como Montes Kabanda.

Aos pés dos Montes Kabanda, banhadas pelo rio sagrado, surgiram várias aldeias que viriam a formar o reino de Liutabi, um homem forte e corajoso que reinava com grande autoridade.

Os homens e mulheres das aldeias trabalhavam bastante para o bem coletivo.

Logo pela manhã, algumas pessoas iam para a machamba – a roca onde era plantado o milho, a mandioca, o inhame e o feijão, enquanto outras pescavam ou apanhavam água do rio sagrado.

Entre essas pessoas estava a filha do rei, uma linda moça chamada Mipemba.

Muito querida pelos habitantes das aldeias, Mipemba era gentil e alegre, espalhava o amor e a felicidade a quem convivesse como ela. Era também dona de beleza incrível.

Os cabelos emolduravam o seu rosto negro como um jamelão, seus olhos eram brilhantes como estrelas.

Justamente por ser tão linda e encantadora, seu destino era ser preservada em homenagem aos ancestrais que regiam e protegiam o reino de Liutabi.

Mipemba costumava trabalhar com outras mulheres na produção de potes de barro que armazenavam a água e os alimentos. Todas as tardes, após terminar o seu trabalho, ia se banha no rio sagrado.

Certa tarde, um jovem viajante seguia pelas margens do rio sagrado quando avistou Mipemba. Sentiu-se maravilhado com tamanha beleza.

Nesse mesmo instante, Mipemba, sentindo-se observada, percorreu a margem do rio com seus olhos de estrela.

Sem nada avistar, não sentiu medo e sim um suave calor no coração.

O jovem seguiu seu caminho e, ao chegar à estrada de uma das aldeias do reino de Liutabi, foi recepcionado por um grupo de crianças.

Ainda maravilhado com a beleza de Mipemba, descreveu a moça e perguntou às crianças se sabiam de quem se tratava.

Uma das crianças lhe revelou que a dona de tal beleza e encanto era a filha do rei, prometida aos ancestrais.

Decepcionado, o jovem apaixonado se contentou em observá-la à beira do rio, todas as tardes, sem se revelar.

Nos dias que se sucederam, enquanto se banhava no rio sagrado, Mipemba sentia aquele calor no coração, porém nada avistava.

Certa manhã, disposta a esclarecer o mistério, Mipemba não foi diretamente ao rio. Ela deu a volta pela floresta e avistou o jovem viajante.

Seus olhares se encontraram e, nesse momento, o calor que Mipemba sentia no coração tomou todo o seu corpo e ela percebeu-se apaixonada.

Sabendo da impossibilidade desse amor, num misto de felicidade e sofrimento, o encontro dos seus olhos selaram um paco de fidelidade.

Todos os dias, Mipemba ansiava pelo final da tarde, pois sabia que o jovem forasteiro lá estaria a observá-la, fazendo-a sentir aquele calor no coração.

Depois de certo tempo, o jovem, não mais contente em apenas observá-la, decidiu declarar ao rei o amor que sentia por sua filha.

Ao ouvir o jovem, o rei ficou furioso e ordenou-lhe que partisse imediatamente, dizendo-lhe que se descumprisse sua ordem, seria atirado aos crocodilos que moravam no rio sagrado.

Entretanto, a força do amor era maior do que o temor que lhe poderiam sentir, Mipemba e o jovem resolveram se encontrar pela última vez, sob a luz do luar, antes da partida.

Nessa noite, quando a aldeia se aquietou e todos dormiram, Mipemba dirigiu-se para o rio para um último encontro com seu amado.

O que ela não imaginava é que o rei, que se preocupava com o destino do povo das aldeias – caso a promessa aos ancestrais fosse descumprida -, havia ordenado aos guerreiros que seguissem os passos da filha.

Quando os guerreiros chegaram às margens do rio sagrado, avistaram Mipemba, que tinha um ar de felicidade enquanto se banhava. Desconfiados, eles vasculharam as margens do rio e surpreenderam o jovem.

Imediatamente, cumpriram a ordem do rei. Degolaram o rapaz e lançaram o seu corpo ao rio sagrado, para que os crocodilos o devorassem.

Mipemba, ao saber do acontecido, desesperou-se de tal maneira que lançou aos pés dos Montes Kabanda e esfregou seu corpo e seu rosto com aquele pó, na tentativa de sentir uma dor que superasse a ausência do seu primeiro amor.

Porém, nada adiantou e, na esperança de sentir novamente o calor do amor em seu coração, foi banhar-se no rio sagrado.

Orunmilá, divindade responsável pelo portal do destino, apiedou-se de Mipemba e ordenou que os ancestrais protetores do reino a recolhessem.

Os guerreiros assistiram, assombrados, quando o corpo de Mipemba, ao mesmo tempo em que se elevava em direção aos céus,          transformava-se em pó, e esse pó, ao atingir as águas do rio sagrado, formava uma grande massa branca.

Enquanto um dos guerreiros correu para visar o rei, os outros, na tentativa de apanhá-la, tiveram suas mãos e corpos ungidos pela massa branca formada pelo corpo de Mipemba.

Quando o rei, acompanhado por uma multidão, chegou e viu o que estava acontecendo, partiu furioso para punir os guerreiros. Um deles, na tentativa de se defender, tocou seu corpo com as mãos ungidas pela massa branca. Neste momento, a ira do rei se esvaiu-se e ele não castigou os guerreiros.

As pessoas que assistiram à cena perceberam que aquela massa branca formada pelo corpo de Mipemba e a água do rio sagrado traziam o bem. A partir de então, tornou-se tradição passa-la nas casas, nos corpos e nos objetos, para afastar o mal e atrair o amor, a felicidade e a harmonia.

A fama dos efeitos da massa branca deixada por Mipemba se espalhou de geração em geração, entre os povos de várias partes da África. Hoje, conhecida apenas como pemba, é usada em ocasiões importantes.

Essa crença atravessou o Atlântico e está viva até hoje.

Lá e cá.

Texto: Marcia Regina da Silva – A lenda da Pemba

 

Observamos que mais uma vez o mundo dos seres vivos e o Reino dos Orixás se entrelaçam. E, na grandeza da força maior do o amor, nos ensinam como esse sentimento pode trazer a transformação de tudo e de todos.

Assim, Mipemba, que era tão bela e alegre, ainda espalha o amor, a harmonia e a felicidade para todos aqueles que tocam em seu corpo, agora transformado no sagrado pó de pemba.

Lá na África, os chefes de aldeias esfregam a pemba no corpo em situações de confronto com inimigo e os negociantes a esfregam nas mãos para ter sucesso nos negócios.

Cá no Brasil, a pemba está presente nos rituais dos cultos de origem africano como um instrumento sagrado. Acredita-se que, por conter a força vital que une o reino dos vivos e dos mortos, os desenhos realizados pelas entidades, têm o poder de estabelecer o contato como o mundo invisível.

Também está presente nos batizados, casamentos e cerimônias religiosas.

Axé,

Odékainã